sexta-feira, 30 de julho de 2010

Badaladas

Os sinos batem na hora exata. Seja ao dizer o "sim" na saúde, na doença, na alegria ou na tristeza até que a morte os separe, seja para entoar o singelo "descanse em paz". Os sinos batem a cada hora naquela igrejinha e os ponteiros vão descendo e subindo coordenadamente até o próximo badalar.
Nas veias daquela mulher o sangue escoa trajetando o seu corpo em compasso. Os batimentos do coração acompanham os segundos do relógio daquela igreja. Cada badalada lança uma chama tóxica que faz contorcer todos os músculos. A sensação de agonia não é tão coordenada e constante, ao contrário, parece se intensificar como se a qualquer minuto tudo fosse explodir em minúsculas partículas.
Engraçado falar em partícula porque ela havia fixado em sua mente que tudo o que lhe acontecia era explicado pelo fato de ser uma simples partícula. A salvação, pensava ela, seria unir-se a outras para formar um átomo. Até que um dia, aprofundando seu pensamento, percebeu que se fosse um átomo iriam faltar outros átomos para se tornar uma substância e desta maneira nunca estaria plenamente satisfeita de si.
Não gostava de ser partícula, não estaria satisfeita em ser átomo ou substância, mas não fora sempre assim. Houve um tempo em que ela conseguia acreditar em sonhos e seu corpo era substanciado a uma realidade paralela. Houve um tempo em que a dor deixou de existir pois a consciência habitava as dimensões do sonhar. Houve um tempo em que acreditava não ser uma simples partícula, mas o tempo passou.
O tempo passou devagar desde que seus sonhos foram atropelados pela realidade. Foram séculos, milênios? Não sabia precisar. O processo de destruição daquele mundo continua aceso. Foi como uma bomba atômica jogada por um avião que acabava de decolar daquela mesma cidade. Tão rápido, mas as sequelas ficariam para todo o sempre.
Não havia mais refúgio, nenhum porto onde pudesse atracar sua mente. Era cinza. Tudo havia se transformado em pedra e cada badalada tilintava junto com seu coração. Sabia que havia maneiras de contornar a sua angustia, mas da mesma maneira, sabia que os danos da futura devastação poderiam ser ainda maiores. Teria ela um limite? Daqui pra frente tinha decidido; Seria nada mais do que uma pequena partícula a vagar pelo infinito.

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